26 dezembro 2006

Nebulosa de Estrelas - parte I


Nebulosa de Estrelas - parte I


Chamava-se Lúcia.
Luz, verdade. Sua verdade, porém, era uma mentira.
Morava num bonito apartamento, bem mobiliado, imóvel de valor, lindos quadros, alguns pintados por suas mãos, num bairro que já fora antes nobre e belo como ela. Vida cotidiana, previsível, com certa estabilidade.
O carro era do ano, mas a cama já não rangia mais. Dedicada dona-de-casa, mãe e esposa; só não exercia há tempos o papel da amante, que lhe interessava tanto ainda, mesmo tendo passado há muito dos malditos e estigmatizados “quarenta”. Sabia-se jovem, queria ser seduzida.
Vinte anos antes, era bonita e intrigante. Hoje, vivia a plena desconstrução da esperada felicidade.
Tinha olhos de princesa, cor indefinida entre a turmalina e o topázio; olhar trepidante e iluminado. Olhar guloso.
Corpo “mignon” bem talhado, seios de fartura e firmeza sedutoras, cintura delicada. Sorriso doce e sensual. Casou-se de branco, virgem, plena de sonhos e esperanças, tentando apagar o amor devastador que lhe engolira, em fogo e lágrimas, a juventude.
- O Juca é bonzinho, gosta de mim. É de boa família. Vou ser feliz com ele – dizia sem entusiasmo
- Mas acho que isso não é tudo no casamento, oras!!
- Mas se eu num casar com ele, fico solteira e aí o Paulo vai se sentir o máximo, Rose – disse com raiva do ex – eu não vou dar o gostinho!! Caso com o Juca mesmo e quero que ele morra de dor nos cornos.
- Mas daí a casar sem gostar nem um tiquinho??? Fez bobagem. Isso num vai prestar, Lu. Você é muito fogosa e o Juca é todo paradinho...
Mesmo sem paixão pelo marido, dedicou-se a ser o melhor que podia, foi logo tendo os filhos – um menino e uma menina – tornou-se mãe extremosa, abafando por alguns anos a libido flamejante, em nome dos bons costumes apregoados pela mãe e a sogra religiosas, e bastante frustradas.
O marido, sexualmente não era mesmo dos mais competentes. Ex-estudante de colégio de padres, cheio de senso de pecado, perdera há muito tempo o interesse pela diversão, se é que tivera um dia. Não se animava diante dela nem com o uso de artifícios e artefatos. O dia dele começava antes do sol nascer e terminava num sono de sofá durante a novela das oito. Trabalhando sempre, dia e noite.
Não! À noite roncava o cansaço do dia, mantendo-a acordada, constatando a falta que lhe fazia a metade mais sensual do companheiro. Chorava no banho, impotente e envergonhada pelo que lhe conduzia a solidão e o desejo. Sonhava e fantasiava um retorno à vida. Uma chispa de fervor.
Os dias eram iguais. As noites eram para imaginar.
Queria conhecer a Grécia, mais que tudo. Adorava a mitologia, os deuses, suas lendas e seus amores.
- Um dia vou até a Grécia conhecer o templo de Dionísio – disse, tomando aos golinhos o vinho quente, na quermesse da igreja.
- Dionísio? – perguntou a sogra, que não era lá muito culta.
- O deus do vinho... do prazer... das orgias. – explicou para si mesma, sem atenção à ofendida senhora ao seu lado.
- Credo, que pecado!! Deus só tem o nosso, filha!! Esses outros são invenção do povo. Deus de bebedeira e sem-vergonhice!! Onde já se viu??? Deus tem que ser puro - persignou-se a mãe.
- Tem Afrodite, a deusa do amor... Eros, o do erotismo... Zeus e suas amantes...– mais vinho, suspiros e revolta cristalina – não essa vidinha sem graça da gente.
- Você reclama de barriga cheia, menina. Teu marido é um homem bom, paga as contas, é fiel, te dá de um tudo – diziam.
- Nem tudo....nem tudo, minhas senhoras... É fiel por falta de gosto mesmo.
A ela cabia suspirar e resignar.
Naquela noite sonhou um longo sonho. Sonho de teor alcoólico elevado; estava nos braços do deus grego, que a amava sobre folhas de videira. Muito vinho, odores, sabores e amores.

Os anos lhe tiraram os filhos, mas lhe trouxeram centímetros e quilos extras pelo corpo. Síndrome do ninho vazio tratada diariamente com muito chocolate e coca light.
Nada acontecia pra chacoalhar a vida, ano após ano.
Quis morrer. Mas não quis muito assim, não de verdade. Quis morrer só um pouquinho, pra ver se alguém se importava. Procurou ajuda.
- CVV, Paulo Rocha, boa tarde. Como posso ajudar?
- Paulo???
- Sim, senhora! Como é o seu nome? Posso ajudá-la?- Lúcia. Sim...é... não sei... eu estou me sentindo triste... acabou o zooloft – lembrava-se do seu Paulo. Mas claro que não podia ser, pensava, meio tonta.
- Sim, senhora, zooloft. Quem está em casa com a senhora?
- Ninguém... Eu pensei que seria melhor não precisar mais viver...
- Sempre vale a pena viver. Nada é tão ruim que mereça ser esquecido.
- Hum...mas... nem sei pra que estou por aqui
- Tente lembrar-se de algo muito bom, que a deixou muito feliz ultimamente?
- Ultimamente? Há quantos anos? Os filhos....
- Ahhh! Tem filhos? Qual a idade deles? Como se chamam?
- É...tenho... 23 e 21... Gabriel e Clarinha... mas têm a vidinha deles.
Preciso desligar! O feijão está queimando...
- Me liga depois, Lúcia. Paulo... Rocha.
“Paulo...Paulo...”
Passou a ligar todos os dias. Chamava por Paulo. O rapaz sempre solícito. Tinha uma voz linda.
- Oi, é a Lúcia... do zooloft...
- Que bom que ligou, Lúcia! Gosto muito de falar com você. – dizia o voluntário tentando mantê-la racional e longe de cometer tolices. Era carinhoso e solidário.
- Também, Paulo... Sinto sua falta...
- Sua voz está mais alegre hoje. Você deve ser uma mulher muito especial... Deve ser bonita – dizia, tentando subir-lhe a auto-estima.
Subiu-lhe a sensibilidade.
Apaixonou-se perdidamente por um Paulo que idealizou do profundo de sua carência.
As conversas seguiam diárias. Já não queria mais morrer.
Uma tarde arrumou-se bonita e foi até a o endereço do CVV, descoberto com muito custo. Perguntou por Paulo Rocha. Apontaram o rapaz.
Moreno. Não muito alto e meio gorducho. Cabelo curtinho, nariz batatudo. Pele estragada pela acne. Bem feinho.
Esperou que saísse para o cafezinho e aproximou-se.
- Paulo?
- Sim... – e sorriu seus dentes irregulares e nicotinados.
- Lúcia... do zooloft...
- Oi, Lúcia!!! Que surpresa... Nunca pensei.... Co-como me achou?? O que a senhora deseja???
“Senhora! Senhora! Senhora! - Desmoronou toda a sua idealização.
Desejo? O que eu desejo???” – Sentiu-se tola com certeza.
- Gostaria de ser voluntária... ajudar as pessoas. É isso! – respondeu sem pensar, mas precisando sentir-se menos constrangida. – fiz três anos de psicologia, mentiu.
- Ahhhhh....que bom!!! – respondeu o rapaz um tanto aliviado - Vamos lá dentro acertar tudo com Dª Cleonice.
Como era fim de ano, tinha muita gente desesperada e muitas ligações ao mesmo tempo. Sentaram-na num posto do tele-marketing e lá foi ela conversar com as pessoas.
Seu batismo de fogo foi uma mulher surtada, completamente drogada com muito anti-depressivo.
- Alô, alô!!! Meu Deus, eu preciso de ajuda. Não consigo atingir o orgasmo nunca!! Estou desesperada. Tenho certeza que o marido da minha melhor amiga roubou minha sensibilidade. Éramos namorados há anos atrás e ele me trocou por ela. Mas continuamos amigas...Ela não teve culpa. O cafajeste era ele. E eu fiquei sem meus orgasmos. Todas as sensações se foram com ele.... Eu...eu...eu sei... Só vai voltar se ele me devolver... O que que eu faço??? Ele me chama de louca...Se ele não me devolver eu me mato!!!!
- Não, minha amiga, pode ter seus prazeres, que o marido da sua amiga nunca mais vai saber o que é isso. Dê-lhe o troco à altura.
- É...
Conversou...contornou a situação. Ajudou...
- Meus parabéns, moça!
- Obrigada, Dª Cleonice – tenho muita experiência sexual – mentiu, satisfeita.
Gostaram de seu trabalho.
E lá ia ela, duas vezes por semana fazer seu trabalho sério, psicológico, cheio de responsabilidade. Ajudar pessoas a se sentirem mais felizes, aliviarem suas dores e necessidades de afeto. Ouvia problemas de todos os naipes.
- Meu marido me deixou e foi-se embora com o mecânico!! Vou matá-lo esta noite!!

- Tenho medo de tudo. Até de tomar banho. Não saio mais de casa... Tenho medo de gente...Tenho medo de dormir...medo do escuro...

- Perdi todo o meu salário no bingo. Não tenho nem para comer. Faz dias que só como pipoca...

- Dei todo o meu salário para a igreja. Precisava comprar um milagre. Estava pagando um carnê, mas não estava adiantando. Me disseram que se fosse à vista... Mas não aconteceu nada ainda...Acha que me enganaram??

- Sou sozinha, não tenho dinheiro, ninguém se importa comigo. Nada vale a pena. Minha aposentadoria é pouca e eu devo tudo no cartão de crédito da terceira idade.

Todas as nuances possíveis e inimagináveis da podridão e da miséria humana.
Achou que seria de grande valia ler livros de psicologia, auto-ajuda, tarô, kardecismo, neurolingüística, Paulo Coelho, fitoterapia e orientação sexual. Foi se instruindo. Sabia tudo sobre chás. Conhecia umas quinze dietas. Sua auto-estima foi subindo junto com os termômetros, por causa do verão que se avizinhava. Resolveu aprender dança do ventre. Fez um curso de “strip-tease”. Foi fazer yôga e começou a comprar lingeries e produtos de beleza.
Em casa, nem o marido nem os filhos perceberam essa pequena, mas profunda mudança. A evolução do querer para o poder.
Foi então que aconteceu o incidente que a fez renascer.
(continua abaixo...)

Um comentário:

Anônimo disse...

oi! eu adoro Paulo Coelho e por isso
estou passando aqui pra te dizer algo que talvez vc nao saiba: ele
tbm tem um blog!
http://www.paulocoelhoblog.com

eu fiquei sabendo disso porque sou inscrita na newsletter dele
http://www.warriorofthelight.com/port/index.html
Um abraco