13 dezembro 2007

POETAS

Lisboa, 1915.
No Largo de São Carlos, na mesa de um café, estão sentados a conversar seis amigos inseparáveis. Seis poetas admiráveis. Seis escritores das verdades.
Discutiam entre si, filosoficamente, em meio a chás fumegantes, licores e acepipes, o tom da verdade de cada um deles.
O francês Chevalier des Pás é o menos atuante do grupo, tendo outra profissão que o afasta sistematicamente dos meios literários, embora não menos culto, afirma, com seu sotaque de “erres”

“ - Que a verdade é relativa ao seu tempo e ao momento em que se apresenta.”

Os outros desconfiam, mas assentem.
Alexander Search, inglês nascido em Durban e por isso mesmo um tanto mais pragmático, determina com sua forte personalidade, que a verdade de uma questão é fundamental para que ela seja compreendida.

“- But since men see more with the eyes than the soul.”

Dúvidas pairam no ar.
Alberto Caeiro, que raras vezes deixava sua quinta em Ribatejo, já apresentava por aqueles dias de 1915 a fraqueza dos pulmões que o mataria alguns meses depois, mas ainda assim, entre suspiros e sorrisos, diz poeticamente:

“- Estas verdades não são perfeitas porque são ditas. E antes de ditas, pensadas.”

Os outros todos o miram num misto de pena e admiração.
Concordam com ele, mas ainda assim querem compreender mais e mais, na incessante busca pelo real.
Quedam-se calados, mirando as pedras irregulares do piso, o céu, os transeuntes. A fumaça do cigarro. Buscam inspiração no entorno que lhes é palpável.
Sabem que a verdade é momentânea. Como o sol preguiçoso da tarde que se desfaz em Lisboa.
Após cinco soberbas taças de vinho, Álvaro de Campos, o mais rompante d’entre todos, sente-se à vontade para bradar em meio ao silêncio:

-“Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução,
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!”

Algumas pessoas nas outras mesas viram-se para olhar de onde partiu tal grito. Sem se deixar intimidar, Álvaro brinda no ar sua taça que já ia a meio e lhes sorri.
Os amigos riem, divertidos. Álvaro arria-se na cadeira, displicente.
Depressivo e triste como um fado, Ricardo Reis, que nada bebia que o pudesse entristecer ainda mais, como se isso fosse possível, abusa de um falso estoicismo e tenta iludir o sofrimento resultante da consciência aguda da precariedade da vida. Levanta-se, faz mesura e diz:

- “Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.”

Aplausos. Vibraram as taças e as chávenas sobre a mesa. Calaram-se todas as dúvidas. O sol punha-se no horizonte, levando consigo a luz que tudo esclarece.
- “E tu, Fernando, nada dizes?” – pergunta um deles.

Levanta-se e diz sem delongas, Fernando Pessoa:

- “Meus queridos e caros heterônimos...”

Ajeita com delicadeza seus óculos, mira uma foto de Ophélia guardada com carinho em seu bolso e completa:

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.”

O mundo parou de girar nesse instante.
E o tempo transformou a todos os seis em uma só verdade.
Na verdade que todos buscavam.
Na verdade que todos fingiam.